sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Especial Halloween: A Volta dos Mortos-Vivos de Dan O'Bannon

ou A revolução dos mortos não será televisionada
por Daniel Matos

A Volta dos Mortos Vivos é um filme de Dan O'Bannon, sobre a revolução dos mortos, seres putrefatos que não podem mais ser abatidos com um tiro no cabeça, que correm, desenfreadamente, sem piedade atrás do que querem e que podem muito bem gruir as suas reivindicações, além de materializá-las, ao enfiar seus dentes no cérebro do primeiro vivo que aparecer pela frente. Uma revolução para transformar todos em seres caindo aos pedaços iguais a eles.

Antes porém de se aprofundar por seu filme, vamos conhecer melhor Dan O’Bannon, um personagem que se encontra nas bases do cinema de horror e de ficção cientifica modernas. Seu primeiro trabalho foi Dark Star em 1970, um filme sobre lixeiros do espaço, a explodir com bombas atômicas, planetas que impedem o desenvolvimento de outros planetas. Seu roteiro, dirigido por John Carpenter, o mesmo que depois daria nascimento aos filmes de serial killer moderno com Halloween. Depois disso faria parte da equipe de computação gráfica de Star Wars. Na mesma época, também publicaria com o desenhista francês Moebius, a história em quadrinhos O Longo Amanhã, a qual foi a base de estilo futuristico visto em Blade Runner. Nos anos 80, além de dirigir A Volta dos Mortos Vivos, deixou sua marca em várias outras produções, como o filme Alien de Ridley Scott, seu roteiro. Nos anos 90, também foi responsável pelo roteiro de outro grande sucesso, Total Recall de Paul Verhoeven. Além de dirigir seu segundo e último filme, Renascido das Trevas, baseado no Estranho Caso de Dexter Ward de H.P. Lovecraft.

O que se segue é uma analise comentada do início do filme, sobre a verdadeira natureza da embate entre os mortos e os vivos apresentada. Não há informações sobre o desfecho da trama.

A história começa com Freddy, um jovem caipira, sendo introduzido a seu novo emprego como ajudante em um depósito de utensílios para faculdades de medicina, por Frank, o comerciante, gerente do lugar. Frank querendo assustar Freddy revela a verdade sobre o filme A Noite dos Mortos Vivos de George A. Romero. Este fora baseado em fatos reais encobertos pelo governo. Tudo ocorreu em um hospital militar e os mortos que se levantaram foram contidos e colocados em containeres. Containeres, que em parte, acabaram acidentalmente sendo enviados aquele mesmo depósito ao qual se encontram. Na sua arrogância de comerciante que conhece o seu produto, Frank mostra os containeres a Freddy e batendo neles para vangloriar sua resistência acaba por liberar um gás, que apaga os dois, dando início aos eventos que desencadearão a revolução dos mortos. Em suma, temos aqui uma bagunça do governo que acaba nas mãos de um comerciante, que em sua arrogância, abre as portas da mudança. Mas que mudança será essa?

Somos levados, porém, a outro lugar, para conhecer os outros protagonistas dessa história, um estranho amalgama de tribos da metrópole dos anos 80: Tina, a patricinha, que é a namorada do caipira Freddy; Chuck e Casey, um casal de refugos do filme Tempos da Brilhantina (Grease); Spider, o revolucionário; Trash e Suicide, o casal punk revoltado; e Spuz, um punk extra para servir de comida em alguma cena. Todos eles, amontoados dentro de um carro velho, vão se encontrar com Freddy. Chegando no lugar, entretanto o grupo têm de esperar o fim de seu expediente. Assim, sem nada o que fazer, eles invadem o cemitério local e começam uma festa.

De volta ao depósito, Freddy e Frank acordam. Desorientados e passando mal, eles saem do porão onde os containeres estavam guardados, e descobrem que todas as amostras de material morto do depósito estão agora se movendo, se revirando em suas embalagens. Entre elas, em um freezer, um corpo inteiro, o primeiro morto a reviver, uma amostra que deveria servir só para entreter estudantes de medicina, agora a gritar desesperado em sua prisão. Sendo só um caipira e um comerciante, eles não sabem o que fazer, logo ligam para Burt, o empresário, dono do lugar, a mão do dinheiro que deve saber como resolver tudo. Burt chega e decide: eles tem de se livrar daquela criatura. Só não podem chamar nenhuma das instituições do governo que poderiam lidar com isso, já que isso só ia fazer por prejudicar o negócio do depósito. Eles abrem o freezer e depois de uma corrida e um agarramento desorientado com o cadáver, enfiam uma foice na sua cabeça. Porém, esses não são os mortos de Romero, em vez de morrer, o cadáver só faz por gritar ainda mais de dor. Só há uma solução, desmembrar o cadáver e queimar todas as partes no crematório da funerária do cemitério. Ele vão para lá, passando distantes da tribo amalgama da cidade, que continua sua festa no cemitério. Trash, a garota punk, entediada, toma a óbvia decisão de tirar suas roupas e dançar em cima de uma tumba.

Chegam à funerária, e entra o último protagonista dessa história, Ernie, o agente funerário, a embalsamar corpos sempre acompanhado de sua pistola carregada. Ernie, o profissional, negocia com Burt uma troca de favores para queimar o corpo desmembrado. Levam o corpo ao forno e, assim, ali o caipira, o comerciante, o empresário e o profissional se vem livres daquele problema, ou não. O corpo queima, e como se fosse só necessária essa primeira faísca para impulsionar uma tempestade de mudança, a fumaça sai para a atmosfera, se mistura com as nuvens e dá inicio a uma chuva ácida.

A água da chuva cai sobre o cemitério, penetra pela terra e começa a pingar sobre os mortos. Só uma faísca de uma ideologia diferente é necessária para desencadear uma horda de mortos a se levantar. Lá estão naquele cemitério os refugos da sociedade, aqueles não mais necessários a esta por sua natureza morta, com seus corpos caindo aos pedaços, deformados, putrefatos, cheios de dor, agora a se levantar mais uma vez. Uma horda se fazendo pela primeira vez indistinta, finalmente estão unidos por uma única razão, finalmente com um único objetivo, acabar com a dor de estar morto. Em vida eles aceitaram tudo que a sociedade lhes condicionou, obedeceram de cabeça abaixada, separados, individualizados. Eles trabalharam pela sociedade, seguiram tudo que lhes era ditado, deixaram seus corpos se moldar como ferramentas para o dinheiro, comeram todas as porcarias que lhes enfiaram, e agora mais uma vez estão de pé. Porém, pela primeira vez eles estão de olhos bem abertos a sua condição, e sentem na carne a tudo que se sujeitaram em vida.

Restam as tribos do dinheiro agora tentar sobreviver as hordas de mortos que começam a jorrar do cemitério, se refugiando atrás de paredes de concreto, atrás de janelas reforçadas com madeira, se fechando no seu conforto falso. A horda, por sua vez, diferente dessas tribos do capital com denonimações e fantasias diferentes, não precisa se diferenciar para se sentir especial. Cada um ao ser devorado, não importa o que era antes, se comerciante, se punk, se profissional, se político, acabará do mesmo jeito, mais um na horda dos mortos. Mortos que nas suas próprias palavras só querem uma coisa: “Cérebros!!! Cérebros!!! Cérebros para acabar com a dor de estar morto!”. Pois eles sabem a verdade, toda as suas vidas eles viveram na ignorância, aceitando a interpretação do pai e da mãe capital para a realidade, agora eles sabem que só há uma forma de sair de sua alienação: cérebro, inteligência. Só a inteligência pode salvá-los de uma sociedade corrosiva. Porém, vamos falar a verdade, o que comer cérebros pode adiantar agora que o estrago foi feito? Pouco, muito pouco. Já é tarde demais, talvez comendo os cérebros dos ainda vivos, eles consigam comer um pouco de sua alienação para aplacar a dor. Mas nenhum cérebro agora poderá devolver os seus corpos ao que eram antes, nenhum cérebro poderá lhes devolver todas as oportunidades lhes roubadas por uma sociedade que só lhes queria como burros de carga, só como bestas ignorantes a produzir suas inutilidades, a deixar atrofiar os seus corpos a tudo que não fosse aos movimentos mecânicos de suas tarefas, a deixá-los a se ludibriar com entretenimentos que só faziam por mais estagnar as suas mentes, e a encher suas panças com substâncias que nada mais faziam do que dar-lhes uma energia barata e temporária, enquanto desorientava suas mentes, viciava seu sangue e denegria sua carne.

Nessa revolução dos mortos não há mais caminho para a liberdade, não há salvação, só há a substituição da anterior homogeneização do capital através de um aprofundado abobamento, pela homogeneização do ver e sentir a verdade tarde demais. Qual a diferença entre trabalhar num escritório, chegar em casa para ver tv e comer besteiras, para sair correndo pela rua, com seu corpo caindo aos pedaços, atacando pessoas e comendo seus cérebros? Praticamente nenhuma, apesar da segunda opção soar como mais divertida. A verdade é que nessa condição é tarde demais para uma revolução real. É tarde demais para mudar quando se está morto.

O filme de Dan O’Bannon se estabelece como um clássico do horror. Um horror, também conhecido por suas pitadas de comédia. Já que jorra humor na representação realista do comportamento humano em uma situação desesperadora. Além disso temos um ótimo espetáculo de direção e de efeitos especiais, que criam em equilíbrio os momentos tanto reveladores, tanto de mistério, tanto claustrofóbicos, necessários a trama.

Um detalhe curioso sobre o filme é que apesar da produção ter sido inicialmente processada por George Romero pelo uso do nome mortos vivos. O filme em si também pode ser considerado uma direta continuação de A Noite dos Mortos Vivos, pois o filme é baseado em um livro de John Russo, o roteirista do filme de Romero, que após se desentender com o mesmo sobre o rumo da franquia, decidiu fazer sua própria versão. O processo foi retirado assim que Romero teve oportunidade de ver o filme. A este filme se seguiram 4 continuações não muito boas. O dois é praticamente um remake do original, até com a volta dos mesmos atores que fizeram a dupla Freddy e Frank. Uma versão de comédia com teor familiar e com o protagonista como uma criança. Basicamente, um horror, no sentido material da palavra, com alguns momentos interessantes, que fazem sofrem aquele que queria uma continuação a altura do original. O terceiro é mais um romance com a presença de alguns mortos vivos, do que realmente um filme de mortos vivos. Se o espectador não ir esperando nada mais além disso, até que é um bom filme, dirigido por Brian Yuzna, o mesmo de Re-Animator. Já o quarto e o quinto, que só foram lançados recentemente por uma produtora diferente, são um crime contra humanidade, que nem merecem a atenção necessária para serem recolhidos e queimados.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Especial Halloween: A Fúria, de Brian de Palma

Após o sucesso estrondoso com um dos filmes de terror mais famosos da história do cinema (Carrie, a Estranha), Brian De Palma se aventura a filmar mais um longa do gênero: A Fúria (The Fury, 1977). Ambos os filmes possuem um foco em comum, que é a paranormalidade. Quem viu Carrie..., lembra dos poderes extra-sensoriais da menina, que com a força de sua mente, consegue mil e uma façanhas.

A Fúria é também um drama tão envolvente quanto Carrie..., e me arrisco a dizer que possui até melhores atuações. Não é para menos. Com um elenco que conta com Kirk Douglas, John Cassavetes e Amy Irving, nem o filme mais caído poderia sair ruim. O que não é o caso. Enfim, vamos falar sobre a atuação mais adiante, e nos focar primeiramente na trama do filme.

Peter Sandza (Kirk Douglas) é um agente secreto americano que, após a morte de sua mulher, é alocado no Oriente Médio. Lá ele cria o seu filho, Robin (Andrew Stevens), um rapaz extremamente sensitivo, e dotado de poderes paranormais.

Só que o que Peter não esperava era que a própria rede para qual ele trabalhava possuia interesses nos poderes psíquicos de seu filho, para serem usados em fins militares (já que o rapaz, com sua mente, tinha possibilidade até de matar, caso fosse treinado para isso).
O filme já começa com toda a trama armada: pai e filho estão se divertindo numa praia, enquanto o responsável pelo serviço secreto e suposto amigo de Peter, Ben Childress (John Casssavetes), planeja o assassinato dele. Logo, homens com trajes orientais começam a atirar em direção a Peter, que consegue fugir para uma barca. O filho, que foi levado para um lugar seguro, observa toda a luta do pai contra os terroristas, e também assiste quando eles acertam um tiro na barca, fazendo ela explodir.






Robin, acreditando que viu a morte de seu pai, fica desolado. Childress manda levarem o menino para longe. Logo descobrimos que Peter havia pulado para fora do barco antes dele pegar fogo, e ao se dar conta de toda a tramóia de Childress, atirou em seu braço esquerdo.
Tempos depois, em Chicago, para onde Robin foi levado, Peter procura por ele desesperadamente, mas precisa ao mesmo tempo fugir de Childress e sua gangue, que já percebe os movimentos dele.

Ao mesmo tempo, uma garota rica chamada Gillian (Amy Irving) demonstra poderes também paranormais iguais aos de Robin, só que mais fortes. Sabendo disso, Peter procura a moça, na esperança de que ela ajude a encontrar seu filho.

Gillian possui o dom de ter visões passadas e futuras, mas enquanto as tem, faz as pessoas a quem ela toca sangrarem absurdamente. Assustada e depois de sofrer vários contratempos com suas visões, ela decide se abrigar em um instituto paranormal, para que estudem seus poderes.















Enquanto está lá, Gillian começa a ter visões sobre Robin, sem saber quem ele é, e descobre que ele está sendo altamente drogado e passando por uma série de testes torturantes, como asssitir ao filme do atentado onde seu pai havia “morrido” (Childress havia mandado filmarem tudo, para usar em testes no futuro). Uma seqüência que nos remete de imediato a Laranja Mecânica, de Kubrick.

Gillian quer conhecer Robin e ajudá-lo, mas os médicos do local tentam privá-la. Childress, informado dos poderes de Gillian, começa a explorar o caso e decide que quer ela no lugar de Robin imediatamente.

Só que nesse mesmo instituto paranormal, Gillian conhece Hester (Carrie Snodgress), que não por acaso é amante de Peter, e que irá ajudá-la a sair da clinica, antes que Childress faça o mesmo que fez a Robin com ela. Hester lhe conta toda a verdade sobre Robin, e Gillian aceita ajudar Peter a encontrá-lo.


ATENÇÃO! Se você não deseja saber o final do filme, não leia a parte em vermelho.



Ao encontrar Robin, eles percebem que o rapaz está totalmente tomado pela fúria, depois de todos os medicamentos e experimentos realizados. Robin mata Kristen ( Rutanya Alda), a médica que cuida dele (e por quem ele tem uma leve queda), girando-a pelo ar e fazendo-a sangrar sem parar.


Peter tenta conversar com Robin, e fazer que ele volte a si, mas é tarde demais: o rapaz está totalmente vidrado e acaba por se jogar de uma janela. Ele cai no chão do pátio, onde está Gillian, agora acompanhado de Childress. Por um momento, temos os olhos de Robin e Gillian se cruzando, e um brilho muito intenso sai dos olhos deles e se encontram, como numa transmissão de fluídos. Robin morre. Peter, desolado e inconformado, se joga pela janela e morre também.



No fim do filme, uma das melhores cenas do cinema se apresenta. Childress tenta convencer Gillian a se juntar a ele, se oferencendo para cuidar dela e ajudá-la. Percebendo que era o alvo de uma nova experiência, obviamente, Gillian beija os olhos de Childress, sugando sangue deles e deixando-o cego. Depois, ela canaliza forças interiores da sua mente e acaba por explodir Childress. apenas com esses poderes. Essa cena é lindíssima, efeito especial usado de forma brilhante, onde vemos quase em slow motion o corpo de Childress explodindo. Além disso, De Palma filma a mesma cena sob vários ângulos, e o filme termina nesses flashes chocantes que com certeza nunca sairão da mente daqueles que assistiram o filme.




É um filme com uma estética muito sombria. A trilha sonora de John Willians brilhatemente se encaixa nas cenas de maior tensão, criando um suspense ao nível de Hitchcock (não é a toa que De Palma é conhecido como um sucessor do metstre do suspense).
A atuação de Kirk Douglas na busca do filho raptado (e como veremos no final) é visceral. Ele enfrenta a tudo e todos, intrépido e determinado. Nunca perde as esperanças, e bola todo tipo de plano para conseguer aquilo que almeja.

Mas não é só a atuação de Kirk que está brilhante, como todas: John Cassavetes está perfeito no papel de Childress, um homem ambicioso e cínico, que faz das maiores arbitrariedades e ostenta uma pose convincente de que fez a coisa certa: fenômenal.
Amy Irving também não deixa a desejar em seu papel principal, com suas expressões faciais criadas detalhadamente. E até mesmo o próprio Robin, que possui poucas cenas no filme, tem seu aspecto depressivo e furioso bem trabalhado.

Robin é a fúria, é a revolta contra a exploração que sofreu, nas mãos dos agentes secretos. Ele adquire a raiva e a intolerância como parte de seu ser, e a transmite a Gillian, no final do filme. Como vemos na cena do parque de diversões, onde orientais estão brincando numa roda gigante. Robin ficara furioso ao ver a cena, remete logo ao acidente com o pai, e com o poder de sua mente, faz o brinquedo se descontrolar, soltando os dois orientais que estavam nela.

Há cenas que sugerem uma esperança ao espectador, quando no ônibus, Peter diz a Gillian que tudo irá dar certo (o que não acontece). E realmente esperamos por um happy end, apesar de sabermos que se trata de um filme de Brian De Palma, onde quase sempre o personagens importantes morrem, frustrando nossas expectativas. Vejamos. Em Carrie, a Estranha, o final é bizarro, com a menina matando a mãe. Em Carlito’s Way, a morte de Carlito Brigante no fim é algo que nos faz assistir o filme milhares de vezes, inconformados com este desfecho, e na esperança de que Carlito sobreviva e consiga finalmente chegar ao trem. Em Scarface, temos a morte de Tony, personagem que consegue sobreviver heroicamente e no fim tem sua morte declarada. Assim como uma série de filmes do diretor...

A paranormalidade, assunto que gera controvérsias dentro e fora do meio científico, justamente por não ser algo cuja a existência seja justificável, e ainda mais com o número enorme de falcatruas existentes, é um tema bastante explorado pelo diretor, que sabe preencher seus filmes com um mistério atordoante. Ele te convence a pensar na veracidade de tudo aquilo. Não é como um filme de terror comum, cujo vampiros e fantasmas nós sabemos (?) que não existem, mas é algo que está oculto ainda, mas nos é denunciado por Brian de Palma como um mistério que existe, mas sobre o qual nós não estamos totalmente cientes.

Que outros mistérios como esse poderão existir nesse vasto mundo, onde tudo é possível?
Reflita com o filme.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Semana Halloween - do dia 25 a 31 de outubro



Para comemorar o Halloween (Dia das Bruxas), um evento cultural que ocorre em alguns países de origem inglesa (especialmente nos EUA), selecionaremos alguns filmes de terror de diversas épocas e lugares. Iremos analisar desde clássicos da cinematografia do horror a filmes contemporâneos do gênero, buscando não apenas criticar os seus aspectos técnicos, mas principalmente a estética desses filmes.

As críticas estarão no ar a partir do dia 25 de outubro e terminarão no dia 31 do mesmo mês, data em que se comemora o Halloween.

domingo, 18 de outubro de 2009

Japón de Carlos Reygadas e o Cinema Mexicano

ou Japão Mexicano
por Daniel Matos

Tarkovsky pela lenta evolução das imagens mostra em seus filmes o homem progredindo pelos mistérios de sua própria mente. Carlos Reygadas, por sua vez, usa a mesma técnica de construção de imagem para fazer o exato oposto, mostrar a regressão do homem em sua própria mente até o absoluto nada.

Tanto em Japón, como em Batalha no Céu, seu filme subseqüente, Reygadas busca mostrar ao meio da beleza do mundo, o vazio do homem, o vazio da vida, demonstrando o quanto são baratas as ligações humanas.

Em Japón, temos um homem, sem passado, sem direção, sem nome, em busca de um lugar para morrer, um lugar perfeito para morrer: sua própria mente. Ele vem já aleijado, se apoiando numa bengala, embarcando numa viagem ao mais primitivo da mente humana. Pede carona e o levam até o início do caminho, um lugar onde os últimos porcos já estão sendo esquartejados. O caminho é fácil, é só descer, sempre seguir em frente, descendo para alcançá-lo. Ele o faz. Chega ao povoado. Chega a uma mente coletiva, passiva, que persiste no meio da paisagem, da grandeza do mundo. Aceitam-no, pois não há como negá-lo, pois são parte do que é. Porém, o único lugar em que pode habitar entre eles, é numa subida, numa subida para a ascensão. Na subida, ele conhece a Ascensão, como todos mais uma partícula passiva da coletividade da mente primitiva.

Na calmaria de sua mente primitiva, o homem sem nome começa a se despir de sua humanidade. Pinta, mas as imagens acabam borradas. Deixa assim a tinta ser tomada por um rio de crianças, deixa a imagem em si seguir por esse rio. O que antes ele carregava com um objetivo, lá não é mais necessário. Não há nada a pintar, só o mundo a observar. Porém, seu mundo ainda se divide entre o vento a bater, e a música clássica a transbordar em seus ouvidos. Ele se isola cada vez mais, perdido em fantasias, até chegar o momento certo de sua morte. E, assim, ele sobe a montanha para morrer, chega ao precipício e morre. Morre como um cavalo estripado, estirado no chão, banhado pela chuva, a luz da ascensão lhe tomando.


Um cadáver, o homem caminha de volta para o povoado, agora só uma criatura de instinto que paira pela paisagem. Antes não tinha direção perdido em sua lógica de fuga da civilização, agora tem a direção de um homem que só tem sua lógica como um fantasma a movê-lo, sobre a base dominante de seu instinto, a partir do impulso de um vazio faminto por direção. Seu primeiro impulso é copular com a atendente do bar. O cavalo estripado se torna o cavalo de pênis ereto em busca de algo que fique parado o tempo suficiente para ele ejacular, ao redor de dois segundos.

O homem prossegue na sua busca por uma copula, e como resposta encontra a velha que o hospeda. Ela como parte passiva da mente coletiva, aceita. Enquanto isso a mente coletiva é contaminada por uma força ativa exterior, uma força fraca e confusa, porém feita forte naquele meio. Um força que busca arrancar as pedras que sustentam a tumba que o homem escolheu para seu final. Ele toma como objetivo defender sua tumba. Porém nada consegue perante a passividade da mente coletiva em que escolheu se enterrar. A copula ocorre, movida pelo seu extinto, coordenada por sua lógica morta. O homem chora por sua falta de direção, não importa o quê. Seu túmulo começa a ser demolido. Nada pode fazer.


Sem tumba, sem impulso, sem instinto, o homem toma a sua posição no topo da montanha, como a nova ascensão entre a mente coletiva. A anterior abandonou sua posição para seguir com os restos de sua tumba. Tudo que sobra são cadáveres ao redor de um caminho, um caminho a ser seguido por alguém.

Reygadas consegue mostrar o vazio da vida com seu filme, porém o faz de uma forma muito ineficaz, assumindo a mesma posição de Tarkovsky, de arte pela arte e nada mais. Faz, assim, um filme desmotivante, que só interessa àqueles que tenham o desejo aleatório de se masturbar sobre a sua criação. Consumir um filme tão sem objetivo como aquilo que busca representar. As imagens não apresentam nenhuma motivação a investigar sua mensagem, senão movidas por um fetiche particular do expectador. Algo que o diretor depois consegue em Batalha no Céu, através de uma maior constância de imagens fortes que conseguem abordar muito melhor o vazio das ligações humanas.

Carlos Reygadas

Reygadas é um nativo da Cidade do México nascido em 1971. Sem interesse inicialmente no cinema, formou-se em direito no México, se especializou em Conflitos Armados em Londres, e acabou trabalhando nas Nações Unidas. Seu interesse pelo cinema surgiu após descobrir o trabalho de Andrei Tarkovsky em 1987. E trabalhando para o serviço estrangeiro do México na Bélgica, lançou seu primeiro curta numa competição de Bruxelas, o Maxhumain, em 1997. Logo depois em 1999, começou a desenvolver seu primeiro longa, Japón, que só viria a filmar em 2001. O filme foi lançado no festival de Rotterdam em 2002, e logo veio a receber o prêmio de Câmera de Ouro no festival de Cannes, e depois o prêmio Coral no festival de Havana. Em 2005, lançou seu segundo longa, Batalha no Céu. Seu último em 2007 é Stellet Licht.

México

O cinema mexicano começa com a documentação da revolução mexicana no início do século XX. Depois disso a produção estagnou devido ao ambiente político instável, e só voltou a ser retomada a partir da década de 1930. Como Reygadas, os cineastas desse período também foram influenciados por um cineasta russo, nesse caso Serguei Eisenstein. Durante os anos 40, a indústria do cinema mexicano ganhou força, dominando toda a América Latina, sem ter problemas de competição com Hollywood que se encontrava focada em filmes de guerra e propagandistas. Os filmes dessa década eram dramas e comédias que lidavam com aspectos da sociedade mexicana, que formaram um grande contingente de estrelas mexicanas, avidamente reconhecidas pelo público, além de possibilitar a produção de filmes de estrangeiros como Luis Buñuel. O maior sucesso do período foi Maria Candelária do diretor Emilio Fernández. Nos anos 50, Hollywood começou a sua invasão e a produção mexicana foi seriamente prejudicada. Tanto que entre as décadas de 1960 a 1980, a produção foi limitada a filmes trashs com lutadores como Santo e a comédias eróticas. Porém mesmo nesse meio ainda foram produzidos filme de destaque como México insurgente de Paul Leduc, A paixão segundo Berenice de Jaime Hermosillo, e A montanha sagrada de Alejandro Jodorowsky.

Só nos anos 90, o cinema mexicano retomou o seu rumo, com filmes de alta qualidade de diretores como Arturo Ripstein, Guillermo del Toro, Alfonso Arau, Alfonso Cuarón e María Novaro, com os sucessos Como Água para Chocolate de 1992, Cronos de 1993, Sexo, Pudor e Lágrimas, e Santitos, ambos de 1999. O século XXI trouxe novos sucessos como Amores perros de Alejandro González Iñárritu, Y tu mamá también de Alfonso Cuarón e Tijuana Makes Me Happy de Dylan Verrechia. Neste meio que entra a produção de Carlos Reygadas, uma produção independente, com pouco apelo comercial, e de inspiração muito mais européia que mexicana, apesar de usar a sociedade mexicana como pano de fundo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Na Natureza Selvagem de Sean Penn

ou Na Natureza Humana
por Daniel Matos

Liberdade. Liberdade é o que todos buscamos. Todos que atingiram pelo menos um certo aspecto de auto-consciência. Liberdade do putrefante organismo a que chamamos de sociedade. Sociedade que não criamos, mas a qual somos totalmente responsáveis, pois nada mais somos que o seu corpo. Àqueles que conseguiram abrir os próprios olhos, sobra a busca, a busca por sonhos, a busca por desejos. Sonhos nossos, não deles. Desejos nossos, não dela.

Into the Wild é um filme sobre esta busca, dirigido por Sean Penn, baseado no livro de Jon Krakauer, seguindo a vida de Christopher McCandless. Christopher foi um homem que tinha todos os caminhos que a sociedade oferece ao seu alcance, todos os inúteis caminhos que tantos cegos com um sorriso triste se regojizam a seguir, e que tantos outros literalmente lutam para ter, como se fosse a única opção. E tendo-os em suas mãos, ele disse não. Não a uma fórmula pré-determinada que nada poderia lhe dizer. Não a uma fórmula que milhares tomam como realidade, mas que não passa de uma perversão habitada por monstros.

Christopher disse não e embarcou numa jornada a única coisa na qual conseguia enxergar uma verdadeira autenticidade: a natureza. A natureza, um belo organismo que não devora, ao contrário, flui, flui em um eterno equilíbrio. Um equilíbrio que nunca parece ser encontrado na pirâmide de inutilidade da sociedade. Pelo caminho, porém, ele foi encontrando outras autenticidades: outros como ele que disseram não, outros que até aceitaram os caminhos a eles impostos, mas encontram formas de distorcê-los a seu benefício, e outros que até foram tomados pela praga, mas que entretanto não a deixaram consumi-los, nem se fizeram de corpos para sua propagação.

O caminho se fez de conclusão, e ao chegar ao seu destino, Christopher pode finalmente encontrar a si próprio. O bater do vento sobre as folhas das árvores, o descer da água do rio, os animais existindo em sua própria e constante realidade, formaram juntos a composição que lhe permitiu encontrar o seu próprio eu a boiar na essência da vida. O que lhe permitiu aceitar o seu passado, com seus progenitores, sua experiência perante a degradação da sociedade, não mais como um câncer a fazê-lo gritar, mas como tinta a pintar um traço de seu quadro. Não mais uma agressão, mas uma cor, como todas as oferecidas por aqueles que encontrou em seu caminho. Liberdade da única prisão a qual um homem pode ser encarcerado, sua própria mente. Ele encontrou a liberdade por fazer a sua mente, finalmente sua. E na liberdade, a felicidade, por reconhecer toda a tinta que compunha a sua vida. “A felicidade só é real, quando dividida.” Escreveu em um de seus livros.

Trazendo o assunto perto, o que pode ser dito? Nossas cidades, como todas as cidades, são asilos de mortos vivos, onde até os com os olhos mais abertos acabam decaindo a falsidade de se sujeitar aos caminhos mais inúteis. A vida não é feita de cores, mas de títulos: o que eu faço, o que me fazem, a quem eu faço. Não há campo a fugir, não há bucólico, quem neste se encontra está por conseqüência, não escolha, e se degrada tanto quanto. E voltando as cidades, aqueles que não conseguem seguir os caminhos aos outros apresentados, de nada tem consciência, e acabam como fantasmas a comer o excremento dos mortos. Liberdade não é uma verdade, mas um produto a ser consumido. É a liberdade de viver em uma caixa, e sair para outras caixas encontrar outros habitantes de caixas, e dividir com eles as experiências sobre a vida dentro das caixas. O livre não é o que flui pela existência, mas o que consome: eu gosto disso, eu não gosto disso. As pessoas não se pintam umas sobre as outras, elas seguem um roteiro. Um roteiro que de tão mal escrito, só lhes permite clareza ao falar de caixas, ao falar de títulos, ao falar de produtos.

Queria ter a certeza que aquele que decidisse queimar seu dinheiro e abandonar a caixa infestada da praga a que foi sujeitado, não acabaria em um chão frio devorado por mortos, ou por fantasmas. Queria que houvesse um roteiro claro àquele que no meio de tanta degradação, quisesse encontrar outros que também não conseguem fechar os seus olhos. Queria que aquele que tem uma consciência capaz de reconhecer a verdadeira liberdade, não tivesse de se submeter a um mero papel de sobrevivência, em vez de uma verdadeira existência. Queria, por fim, que não se tivesse que nadar pela miséria, mas sim fluir pela natureza.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Veronika superficial


Veronika decide morrer ( 2009 )

Direção Emily Young



Algumas adaptações para o cinema são fiéis aos livros e costumam agradar aos fãs das obras literárias - que insistem na idéia equivocada de compará-las com o filme, como se existisse a possibilidade de um livro ser melhor que o filme ou vice versa - outras são polêmicas, não são tão fiéis o que não quer dizer que sejam ruins. Ainda não li ‘Veronika Decide Morrer’ do Paulo Coelho, mas o filme da diretora Emily Young, carece de uma protagonista talentosa, um bom roteiro e direção competente. Resultado: Eis uma adaptação que não funcionou.



Veronika( Sarah Michelle Gellar) é uma bela jovem, com um bom emprego e que mora num confortável apartamento em Nova York. Porém ela não é feliz, julga a vida que leva como previsível, sem sentido. Certa noite, ao chegar em casa, toma uma overdose de medicamentos. Ao acordar num hospital psiquiátrico aos cuidados do doutor Blake (David Thewlis), descobre que terá poucos dias de vida. Infelizmente Sarah Michelle Gellar provou ser incapaz de garantir o peso dramático suficiente ao personagem; além de inexpressiva e de sempre lançar o olhar sedutor quando dialoga com alguém do sexo masculino ( tudo bem que ela é gostosinha, mas cá pra nós ela não está em ‘ Segundas Intenções’) ela é responsável por uma da cenas mais constrangedoras do filme quando se masturba tocando piano enquanto flerta com Edward( Jonathan Tucker), rapaz até então mudo devido um trauma. A seqüência revela-se apelativa e beira o vulgar justamente pelas caras e bocas inadequadas da loirinha.



Além disso o filme se perde por conta do roteiro fraco que não explora os coadjuvantes ao ponto de nos convencer que são importantes no processo de melhora da protagonista. O romance entre Veronika e Edward revela se artificial, assim como o contato frio e breve com o psicanalista. Os diálogos expositivos estão presentes em algumas situações; naquela a qual Veronika descobre algo importante sobre Edward – o que acabamos de descobrir segundos antes, e no momento da conversa com o doutor Blake após a cena do piano.



A narrativa ainda encontra outros empecilhos que somam pontos negativos. O uso de planos abertos na clínica psiquiátrica é exagerado, bastava filmar a fachada do local uma vez, mas a diretora parece que quer nos lembrar a todo momento que ali funciona a tal clínica. Metáforas clichês como a da ‘ pessoa afundando na água’ para simbolizar algo negativo’ e no sol nascente como mostra de esperança, e de que ‘ bons tempos que estão por vir’ também poderiam ser evitadas.


Não foi dessa vez que uma obra do mago pop star literário teve uma adaptação representativa no cinema.
BrunoMendes

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Uma Noite Americana de François Truffaut

ou
Uma Guerra Americana

por Daniel Matos

A Noite Americana é um filme do diretor François Truffaut sobre o processo de criação de um filme. Mais especificadamente, a criação de um filme comercial; um filme hollywoodiano, mesmo não oficialmente o sendo; um típico drama barato de alto orçamento com estrelas internacionais.

O filme busca apresentar os vários problemas que ocorrem durante uma filmagem, especialmente o maior de todos, o constante melodrama das estrelas, que se mostram pessoalmente cem vezes piores que os próprios personagens dramáticos ao qual interpretam.

O nome "noite americana" é uma designação técnica para a filmagem de uma noite falsa durante o dia. Uma designação que em si sintetiza o filme, este que busca mostrar toda a falsidade do chamado glamour da produção do cinema. Já que, o que é sempre realmente visto, é o produto final, uma iluminada noite de estréia, com as estrelas a desfilar, a mídia a fotografar e os fãs a pular. Todo glamour é uma noite criada de dia. E o filme tenta em si mostrar essa criação, com o seu processo de declínio do puramente técnico, o idealizado, com seu caos controlado, para o puramente dramático, o real, com seus caos completamente liberto. No filme, tudo começa com a ordem e caminha para o caos. Caos que são mais as estrelas que o próprio filme, que são mais o caráter comercial que a própria arte.

Os créditos inicias apresentam um teste de som, com suas vibrações a dançar no canto da tela. Caos organizado. Seguindo para uma gravação de cena de rua, com a constante reorganização dos movimentos dos figurantes em relação à câmera e ao ator principal. Caos organizado. Porém, eventualmente, tudo cai em declínio. Atriz não consegue se concentrar, se sente velha, chora, esquece as falas. Caos. Atriz desiste e precisa ser trocada por outra. Caos. Atriz está grávida. Caos. Ator se desespera por fuga da amante. Caos. Gato se recusa a seguir as coordenadas do diretor. Caos. Ator morre. Caos. Atriz casada tem caso com outro ator, que tem a idade mental de uma criança e se apaixona por ela, acabando por ligar para seu marido, criando uma crise. Caos. Por fim, o filme acaba e aparecem os créditos finais no melhor estilo clássico, com a foto dos atores em seus personagens. O técnico do inicio não existe mais, é plenamente abandonado na luta contra o caos, só resta o dramático. Porém, um dramático controlado, pois caos por caos não dá filme. O caos molda o filme, mas é eventualmente controlado. A história muda, o produto final é completamente diferente do plano original, mas pelo menos não é um nada, não é um abandono, não é uma desistência, é alguma coisa. E, no caso do filme comercial, é alguma coisa que funciona, que pode ser exibida, que pode encher os cinemas, que vende, é uma noite americana.


Mas quem controla o caos? A fórmula empresarial de produção controla o caos, pois este já é muito bem conhecido por ela, que preparou todo um exército para enfrentá-lo. Aqueles que seguem a fórmula têm mais chances de ganhar a guerra. Porém, na batalha, podem ser mutilados, perdendo parte de sua originalidade. Quem segue a fórmula? O diretor e a equipe técnica. O general e seu exército. Mas não só estes, seu maior seguidor é realmente o próprio ator. O ator clássico, o ator dos dramas, o que provavelmente interpretou a vida inteira o mesmo papel. Dele não se origina o caos como nos outros e só em sua morte, na sua não existência, este se apresenta. Pois, como o próprio diretor diz, com sua morte, morre o próprio cinema clássico. Já que mais que tudo, quem carrega este cinema, dramático, feito de estrelas, hollywoodiano, é o próprio ator, este ator que habita sua história e o qual a própria presença da vida a uma prole de outros atores, que buscando o glamour e não acostumados a realidade ou a fórmula, criam o caos.

Os políticos dão início a guerra, mas quem mais nela sofrem são o general e seu exército. Os políticos são os que menos esforço fazem, são os que se apresentam para o público como os atores, os deuses, que tudo lideram, que tudo são, mesmo sendo na verdade aqueles que se escondem nas sombras atrás da imagem, sendo os acionistas de empresa que puchando as cordas gritam o primeiro "ação". "Ação" que é seguida pelo general, que tem de coordenar tudo, cada detalhe da batalha, sua posição de câmera, sua luz, sua música, a atuação do gato, sua edição final. O exército, por fim, têm que garantir que todas as suas ordens sejam postas em prática, que todo o planejado esteja pronto para a execução, que todo o feito saia exatamente como esperado, que todo o necessário a ser refeito, seja refeito, que outros gatos sejam encontrados no caso da recusa de um a atuar. O general está preso, como já dito, a fórmula, porém também está sempre a buscar algum tipo de originalidade, alguma forma de inscrever seu nome a película, se frustrando incrivelmente com o constante insucesso.

No filme o personagem do diretor é o exemplo máximo disso, faz um filme medíocre, mas sonha em roubar o sucesso de Cidadão Kane. É obcecado quase que sexualmente com o trabalho de diretores passados. Como Truffaut, o diretor que faz o papel do próprio diretor, mostra explicitamente na cena quando ao receber uma pilha de livros sobre outros diretores, se põe a escutar parte da trilha sonora que fará parte de seu filme. Nesse momento, a câmera paira sutilmente sobre os livros, sobre os nomes dos diretores em destacadas letras, sendo acompanhada por uma música quase erótica. O que acaba por apontar para outra questão referente ao diretor. Sua frustração, seu desespero pelo alcance da originalidade, o isola e o faz um excluído em consideração a todo o resto que participa do filme. Já que enquanto toda a equipe técnica e atores se envolvem em ávidas relações sexuais, o diretor, na sua auto-exclusão, dorme sozinho, abraçado com um travesseiro a sonhar com o roubo do sucesso de Cidadão Kane. Ele, na sua função de general, a tudo comanda, mas a nada é dono. Aquele não é seu filme, aquela não é sua criação absoluta, ele não é deus, é só peão. Um peão que sonha dormir com Welles, Lang, Hitchcock, Buñuel, ...

No filme comercial, hollywoodiano, o diretor é o peão criador, os atores, as forças sustentadoras, mães da ordem e do caos, e a equipe técnica, entusiastas que adoram o cinema e querem dele, de qualquer forma, fazer parte.


No fim, o diretor anuncia uma futura salvação, o abandono do comercial, a vinda do diretor de câmara na mão, filmando na rua o que quer, se mantendo original, sem nunca angariar traumas de guerra. Anuncia Godard e a si próprio como os messias. Porém, não é isso que o filme é, não é um dos da salvação. Truffaut, em si, faz um filme que fala do processo de criação estilo anos 1950, ao mesmo tempo que declara sua queda e a vinda do estilo anos 1960, porém estando nos anos 1970, a fazer um híbrido entre os dois, sendo comercial, mas mantendo sua originalidade, moldando a fórmula a seu gosto. A paz não é alcançada, mas uma trégua é assinada.

Troglodita sentimental


O lutador - 2008


Direção: Darren Aronosky


Após uns 10 minutos numa locadora , uma mulher entra agitada e esbraveja­: __ Esse filme é muito ruim; ninguém lá em casa conseguiu assistir, um foi para o computador, outro saiu de casa. Ao prestar atenção ao filme que ela entregara, visto que fiquei curioso com a ofensiva exagerada, constato que ela estava se referindo ao excelente ‘O lutador’.


Na maioria das cenas de ‘ O lutador’ a câmera segue atrás do protagonista, plano que sugere a sua iminente entrada apoteótica num ringue . Infelizmente, o outrora famoso Randy Carneiro( Mickey Rourke), hoje ganha míseros trocados em lutas sem glamour e sofre com o ostracismo. O drama do diretor Darren Aronofsky( Réquiem para um sonho) conta de forma sensível, a comovente história de um homem apaixonado por lutas, mas sem força mental para superar as mudanças amargas dos novos tempos. Ao sofrer um infarto e ficar impossibilitado de lutar, Randy busca um rumo para a nova etapa da sua vida. Longe dos ringues; ele busca afeto na dançarina Cassady ( Marisa Tomei) e na filha Stephanie( Evan Rachel Wood) que tinha abandonado.


O roteiro de Robert D Siegel, oferece situações que deixam clara a indiferença, e o desprezo que as pessoas do contato diário têm com o ex astro; ao chegar no escritório de um gerente de supermercado e pedir emprego; Randy é obrigado, de forma humilhante, a voltar e bater na porta antes de entrar. Em outra situação, que demonstra o perfil anacrônico do protagonista, ao jogar vídeo game com ele, um garoto reclama que o jogo é “ tão antigo” e prefere um da guerra do Iraque. A brilhante interpretação de Mickey Rourke, faz com que o imponente Randy, que pouco sofre ao ter grampos tirado do corpo ensangüentado após uma luta encenada; seja ao mesmo tempo um homem carente, fragilizado e inseguro.


Apesar do bom encaixe de situações, que ilustram bem o perfil psicológico de Randy e o desencadeamento dos fatos, o roteiro peca ao focar de forma superficial a sua relação com a filha, e cai no clichê da ‘’filha que reclama do pai que falta aniversários’’. A pequena falha não compromete a narrativa, a atuação de Mickey e o bom roteiro ( apesar do deslize) impedem que o filme se transforme num dramalhão. Além disso, vale ressaltar o primor da fotografia escura e granulada que permite a perfeita visualização do ambiente desagradável e sujo que os personagens estão inseridos; a dançarina de boate, pela qual se apaixona, trabalha para garantir sustento ao filho mas não está feliz na atividade profissional.


A escolha dos planos e excelentes imagens, na comunhão da fotografia com a direção, são eficazes para compor a narrativa. Os planos fechados em imagens fortes e violentas durante as lutas, quando por exemplo Randy corta o próprio supercílio para tornar o show no ringue mais atrativo, se contrapõem ao close em seu rosto, quando chora num encontro com a filha; o que exibe o complexo ‘ estado de espírito do protagonista em duas situações distintas.


O diretor Darren Aranofsky, tem mais um belo trabalho em seu currículo, mas isso não seria possível sem o excepcional Mickey Rourke. Seu personagem é arremessado em cima de arame farpado, toma socos e pontapés enquanto está no chão banhado de sangue mas garante que o único lugar onde se machuca é fora do ringue. O melhor de tudo é que ele nos convence disso.
BrunoMendes
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